segunda-feira, maio 1

..::..uma história de qualquer dia desses..::..

Foi daquele jeito que os olhares se cruzaram, como se fossem conhecidos de muitos anos; séculos, poderiam pensar. O ritmo era de valsa, nas folhas quase secas das árvores no outono, e os cantos eram sinceros, os pássaros migrando. Uma ventania cegava aqueles que tentavam manter-se a postos nos postos quaisquer. A poeira levantava e arranhava os rostos infantis, mas o ritmo continuava valsando e dançando e rodando como vestido de noiva.
Luana estava sozinha, na varanda de sua casa e olhava pra o universo. Que universo era aquele tão desconhecido e tão melancólico do dia que passava devagar? Ela olhava e procurava algum vestígio de algo que ela não sabia realmente o que era. Estava perdida. Será que ela não estava mais onde costumava estas sempre? Quase sempre. E as coisas voavam e dançavam ainda.
Bruno andava cabisbaixo, chutando pedrinhas das construções que haviam de monte naquela rua. Seu sapato era marrom claro, de camurça, e vinha com os cadarços desamarrados. Os cabelos, lisos, tinham uma franja que teimava em cair diante de seus olhos espertos, porém cansados. Parecia estar cansado de ver sempre a mesma coisa, sempre os mesmos lugares e, por isso, resolveu andar por aquela rua de novas construções ainda inacabadas.
Heitor era um senhor mais velho, não idoso, mas mais velho. Ele usava um chapéu cinza na cabeça quase careca. Era calvo desde os 20 e poucos anos, de família. Ele nunca gostou de ser calvo, mas era, fazer o quê. Seu pai, seu avô, seu bisavô.. quem sabe quem mais não teria sido. E ele tentava sempre pensar que "é dos carecas que elas gostam mais" para não ficar triste.
Arminda era uma mocinha bonita, mas a vida lhe encaminhara para rumos esquisitos. Ela nunca teve as melhores coisas das vitrines, nunca teve os pais presentes. Por outro lado, sempre fora a melhor aluna da sala, sempre cheia de amigos e os meninos gostavam dela. Não se sabe por quê, ela virou garota de programa. Todos sabiam, mas fingiam que não conheciam o movimento em frente à casa da menina e as saídas, principalmente, noturnas dela.
Reinaldo era gari. Fazia 14 anos que ele limpava aquela rua. Seu maior sonho era morar na casa amarela de número 621, localizada ao final da rua. Era linda a casa. Tinha um jardim bem-cuidado, uma vovózinha morava lá. E ela gostava muito de rosas brancas. E Reinaldo sempre ganhava da vovózinha um pedaço de bolo e uma xícara de café-com-leite bem doce. Ele gostava e sentia que aquela velhinha era sua avó. Tinha até um capricho especial ao varrer a frente do 621.
Margarida era um senhora engraçada. Teve câncer aos 47 anos, quase morreu. Por um milagre muito grande, ela vivia ainda seus mais de 80 anos. Era a dona do 621 que dava bolo e café-com-leite bem doce ao gari Reinaldo. Eles eram amigos e ela queria escrever um livro. Sentava todos os dias no jardim ensolarado numa cadeira de balanço, o cachorro Silver a seus pés, e ela escrevia uma tarde toda. Regava as rosas brancas às 4 da tarde, pontualmente. Não tinha marido, nem filhos, nem netos. Apenas o gari Reinaldo.
Naquele dia, todos pareciam tão conhecidos. Sem medo de parecerem loucos, sem medo de parecerem tristes. O vento e as folhas e os pássaros dançavam. Os mais jovens pareciam velhinho de mais de 100 anos. Os mais velhos corriam de um lado para o outro com as folhas que quase caíam. E se apaixonaram. E olhavam para os jovens como que os ensinando a viver de verdade. E riam para sempre.